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Linguagem e meta

23/11/2013

Meu lar,
a linguagem,

de onde espio

o mundo
[esse emaranhado de locuções]

a vida
[sujeitada a assertivas tão banais]

nunca caberão num post,
sequer num filme de Truffaut.

E foi assim
que justo hoje, às sete e trinta e nove da manhã,
me vi prenhe de um poema.

Mas não tenho tempo.

Sou um homem muito ocupado.

A vida secreta do que quer que seja

21/03/2012
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Céu de nuvens cor de chumbo.
Serafina fazendo crochê.
Num canto, o velho baú sujo de sangue.

Le temps qui passe. Le temps qu’il fait.

12/02/2012

Deparei-me com o fato de que não temo mais a morte
pura e simplesmente.

Não sem assombro: sou velha.
E não creio o suficiente.
Ou é a fé que não me alcança.

Desde o nascimento destinada a ser velha,
como se mãe de minha mãe.
Como se filha daquele que guarda o mundo dos mortos.

Fadada a me comover com o tempo que passa.
E nada, ou quase nada, com o tempo que faz.

Quase uma canção do exílio

24/09/2011

Abrir os olhos pela manhã
nesta terra, ou em outra qualquer.

O suficiente para eu me tornar estrangeira.

No confessionário

17/09/2011

— Bom dia, Padre, eu gostaria de me confessar.

— Estou ouvindo, minha filha.

— É que… É que não sei mais como se faz… Só me confessei na minha primeira comunhão, nem sei por onde começar. O senhor pode me ajudar?

— Me diga, você tem desonrado seus pais, desrespeita sua família? Lhe falta amor o próximo?

— Acho que não, não me lembro de ter feito nada específico quanto a isso…

— Você cometeu algum pecado grave?

— Talvez. Não sei bem o que seria considerado grave para os parâmetros da igreja, sabe? Fiz as coisas que as pessoas de minha idade já fizeram… Acho que nada além do básico de todo ser humano.

— Bom, então reze três ave-marias e três pai-nossos.

— Padre, mas eu já posso tomar a hóstia?

— Você se sente absolvida de seus pecados?

— Ai, meu Deus, será? Não estou segura… Não consigo me lembrar se cometi algum pecado grave que devesse ressaltar…

— Então, minha filha, sugiro que reflita sobre o que tem feito e volte na semana que vem.

 

E, desde então, tenho anotado todos os meu pecados: ignorei alguns mendigos, me comportei mal no trânsito, pronunciei pequenas mentiras, dissimulei minha vaidade, me deixei tomar pela gula, senti inveja, preguiça, adorei ídolos de gesso… Pronunciei o santo nome de Deus em vão.

E não mais voltei ao confessionário.

Algumas notas sobre o viver

30/08/2011

“nada que vive
pode ser livre”

Alexandre Barbalho, Entre (2010)

***

 

“só é verdadeiramente vivo o que já sofreu”

Manuel Bandeira, O Ritmo Dissoluto (1924)

 

***

 

“Ah viver é tão desconfortável. Tudo aperta: o corpo exige, o espírito não pára, viver parece ter sono e não poder dormir — viver é incômodo”

Clarice Lispector, Água Viva (1973)

Treinamento nº 01 para uma entrevista em ping-pong

22/08/2011

Uma palavra: Dúvida.

Desejo: Voar

Fobia: Altura

Um defeito: São vários. Sou indecisa, teimosa, curiosa, ansiosa, impaciente, cheia de manias, não gosto que ninguém me pegue…

E a entrevista em ping-pong vai por água abaixo.

E, no entanto, se move

07/08/2011

Em uma mudança bem feita,
cada caixa indica: sala, cozinha, quarto das crianças.
Itens de vidro merecem plástico bolha e fita adesiva.
Toda gaveta é esvaziada com esmero.

Quando restam somente uma noite e os colchões, descobertas:
dois pés de meias,
o brinco há muito perdido,
aquele diário pela metade,
e um poema amassado de Augusto dos Anjos.

Este isto nem título tem

24/07/2011
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Em certos momentos a vida fica à deriva
e eu me sinto meio besta,
meio feia e um tanto murcha.
Feito uma boneca velha,
que pra fazer graça,
foi dependurada no caminhão de entulho.

 

Em um dia qualquer, ao meio dia, pela cidade de Salvador.

Cry me a river

07/04/2011

Hoje o dia acordou morno e azul.
Como se na gaiola da casa ao lado,
cantasse a própria Ella Fitzgerald.

PS: Bom dia para você também, Ícaro Villaça!